quinta-feira, 27 de novembro de 2008

PORTA-RETRATO

Era noite, um vento impetuoso entrava pela janela balançando as cortinas de seda que desenhavam no ar ondas de um mar revolto, incontidas pela superfície seca que luta contra esta, contudo é sempre vencida, o ar gélido atingindo minha pele nua, me fez despertar de súbito da cadeira de balanço onde sentei-me e adormeci após longas horas de leitura acerca da vida de um alguém que não era eu, contudo tal constatação só me veio à mente após fechar o livro e perceber que minha vida não se fechara, e naquele quarto escuro eu subsistia enquanto a personagem se completou – finalizou-se – minhas pernas dormentes após tanto tempo encolhidas em minha pseudo-cama, traziam a constatação infame de que eu podia andar... levantei-me, entretanto faltaram-me forças para permanecer de pé, talvez de fato nunca o tivesse feito, meu braço estentido à mesa de centro me fez derrubar o porta-retrato que se quebrou ao cair no chão, poucos segundos antes de eu mesmo cair, o porta-retrato quebrou, entretanto eu permanecia o mesmo, talvez não houvesse mais nada em mim que pudesse ser quebrado, alí no chão permaneci até voltar a força de meus membros, enquanto isso, analizava a foto que se deslocara do porta-retrato antes de seu fim prematuro, era eu quem estava lá? Por algum tempo questionei-me acerca da minha própria imagem no papel – certamente não era eu!, bradava para mim mesmo, buscando basear-me em pintores abstracionistas e suas teorias de que mesmo uma fotografia não mostra com real exatidão a imagem do ser, mas apenas uma de suas nuances, verdadeiramente não era eu, não me sentia eu... a personagem feliz que protagonizava aquela imagem em um dia de festa iluminado pelo sol, não combinava com o ser que agora arremeçado ao chão daquele lugrube ambiente apenas subsistia – de fato nunca fui qualquer personagem – em momento algum o vento parou de soprar... talvez não o quisesse ante aquela cena que não era nova para ele, e a cortina que continuava a balançar desenhava sobre mim sombras que a luz da lua incidia sobre nós – eu olhei para o teto vazio, alí vi a minha própria imagem – sim... aquele sim era eu - repeti continuamente em voz baixa, com alívio, mas não com felicidade, apenas com alívio, agora, enfim, eu tinha um verdadeiro porta-retrato, e este, creio que não se quebraria.

Autor: Marcelo

POSTADO NA COMU EM 08MAR07

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