quinta-feira, 27 de novembro de 2008

FELIZ NATAL

Feliz Natal
- E então, o que acha?- perguntou ansioso o rapaz. O professor, sério, segurava a folha de papel longe do rosto e sentado na mesa, de lado, com um pé tocando o chão equilibrando o peso do corpo. Permanecia imóvel, exceto pelo movimento nervoso com o pé agitado no ar. O homem, lentamente, ainda com os olhos no papel, disse:
-Olha garoto, é um bom começo. O vocabulário mostra que você está acima da média, que você lê mais do que as pessoas comuns. Mas...
Uma pausa perigosamente demorada preocupou o jovem. Ele contava com críticas e estava (pensava ele) preparado para elas, contudo uma pausa como aquela, e o primeiro fraco elogio era uma forma de começar uma coisa mais séria, grave. Uma sentença de morte.
O professor sentiu o impacto que causara no menino e parou, repensou, e olhando no fundo dos olhos dele, fez outra pergunta:
- Me diga filho, afinal, por que você escreve? Digo, você é inteligente, um dos melhores da classe com certeza. Contudo, talvez você possa se dedicar a alguma outra coisa, e deixar os contos de lado. E quanto aos versos...
Quem interrompeu agora foi o aluno, sem jeito, mais convicto:
- Ora professor, o que é isso? Eu pedi a sua opinião sobre os meus contos e poemas e você vem me perguntar por que escrevo? Sobre os contos entendo que estou começando e tenho que melhorar muito, mas é alguma coisa, um primeiro passo, o senhor não acha? E os poemas são uma necessidade! O senhor disse que gostou deles quando os mostrei pela primeira vez, por isso me animei em te mostrar o conto.
Tirou os óculos, e apertou com o polegar e o indicador onde os óculos repousavam, mostrando cansaço, e suspirou forte. Tossiu, e voltou os olhos para o rapaz, não o fitou diretamente. Olhava agora para ele como um todo. Era com certeza um sujeito à parte. Gordo, cabeludo, barbudo, com cara de bandido ou gênio louco, cheio de ambigüidades maliciosas na fala, dono de uma língua afiada, um raciocínio rápido e um grande carisma. No entanto, por que era tão difícil levá-lo a sério?Ele não ficava triste, estava sempre rindo, e brincando com os outros. Fazia bem ao resto da turma, embora não pertencesse a nenhuma rodinha em particular. E dissera a verdade. Escrevia bem poemas, precisava desenvolver melhor, mas tinha talento pra coisa. Agora quanto à prosa, a situação era outra. Entretanto, poderia ele incentivar algo que não daria lucro? Poderia incentivá-lo sabendo de antemão que o máximo que poderia chegar a ser era um escritor mediano medíocre? E ao mesmo tempo, como ele, como professor, poderia dizer isso a ele sem decepcioná-lo, sem magoá-lo?
- Você está certo. Seus poemas são bons. Eu ia perguntar, por que você não se dedica mais aos versos, como um bom hobby, sabe... e se concentra em coisas mais sérias...
O aluno não ouviria mais nada. O professor calou-se, falara, estava terminado. O rapaz tremeu de leve, mas controlou-se rápido. Estendeu a mão para o professor devolver-lhe a folha, e ele o fez. Agradeceu a opinião do professor, e saiu. Sem ser mal-educado, ou demonstrar qualquer outro sentimento. Apenas se foi.
O professor pegou sua bolsa, e apressou-se até o carro, fazendo uma pequena parara para conversar com a coordenadora sobre o encerramento das últimas notas e outros assuntos. Estava tarde e ele tinha que corrigir várias provas antes de dormir. O estacionamento estava quase todo já vazio. Fazia muito frio naquela noite, e o carro demorou a pegar. Álcool. Entrou e colocou uma blusa. Fazia realmente frio naquela noite.
Era fim de ano e não mais se viram. As aulas cessaram, e depois das últimas reuniões com os professores na faculdade, estava livre até o começo do próximo ano e o professor decidiu aproveitar para viajar como queria. De madrugada, entrou no carro, cheio de malas, a mulher ao lado, sonolenta e feliz. Partiu.
No primeiro dia de aula os alunos não receberam os horários da semana. Aproveitaram para rever amigos e conhecer os novos professores, além de cumprimentar os já conhecidos mestres dos outros anos. No final da semana conheceram o novo professor que substituiria o senhor que por anos lecionara a matéria que a maioria dos alunos odiava. Uma das mais importantes do curso. O velho conseguia fazer com que eles suportassem as aulas ao menos. E agora fora substituído. Os alunos perguntaram surpresos à coordenadora por que a faculdade fizera isso com ele, se era tão bom professor e amigo dos alunos? Ela, tristemente, com lágrimas nos olhos, revelou que ele havia morrido em um acidente de carro nas férias de natal. Disse isso sem preparar ninguém. O freio não funcionou, e ele rolou de um despenhadeiro na serra a caminho da praia junto com sua mulher. Todos empalideceram e vieram as lágrimas. Alguns choravam tanto que soluçavam. De todos na classe, um certo aluno, o cabeludo, foi o que mais mostrou-se triste com a notícia. Escreveu um belo poema em homenagem ao mestre, que foi solenemente colocada em uma placa de ferro em seu túmulo em nome dos alunos da faculdade...

Autor: José Rodolfo

POSTADO NA COMUNIDADE EM 19DEZ06

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